terça-feira, 22 de setembro de 2015

Pagar transportes para andar a pé

Saí do segundo veículo de transporte para apanhar o terceiro e, finalmente, último. Depois de atravessar a estrada para chegar à paragem do dito (nunca que entre o primeiro e o segundo ou entre o segundo e o terceiro que as paragens são as mesmas, há sempre muito a andar a pé) a primeira coisa que faço é olhar para o painel dos veículos e ver quantos minutos faltam até chegar o único autocarro que me serve para chegar ao destino.

Faltavam 19 minutos!!!

E dos autocarros que aquela paragem servia, nem era o que demorava mais. Havia um para o qual a espera estava nos 36 minutos, mais de meia-hora!

Fazia horas que tinha visto um painel de veículos a apontar desde 88 minutos aos 45, pelo que a surpresa dos 19 minutos para o derradeiro e mais importante só não foi maior por já ter visto desgraça superior. Tirei até uma foto para registar o inusitado, mas parece que a carris se protege até disso, ao fazer aqueles painéis luminosos «à prova de foto», já que os dígitos não aparecem na imagem. Só uma vez tive sucesso - logo à primeira - e desde então tenho feito muitas tentativas de fotografar os absurdos tempos de espera nos painéis de autocarros, mas sem conseguir registar os dígitos luminosos.

Chega outra pessoa à paragem, também ela tinha atravessado a estrada vinda de outro transporte e ao ver os minutos registados no painel, desabafa em voz alta:
-"Ai meu Deus! 19 minutos até chegar o autocarro!"

E eu, o que faço?
Estou a 15 minutos de chegar A PÉ ao meu destino. Mas o pior é o percurso: contra o sol e sempre numa subida íngreme. Apesar de serem quase 15h da tarde o almoço ainda não forrava o meu estômago - nem poderia, fazia sensivelmente uma hora e meia que deslocava-me nos transportes.  A menos que a Carris intenda que se faça merendas dentro dos veículos, é impossível uma pessoa sentir-se energética e com vontade tanto para fazer caminhadas íngremes ao sol, quanto para esperar tanto tempo por mais um transporte. Faltavam-me energias. Mas também faltava-me paciência e capacidade para esperar mais tempo. Ainda por mais numa paragem também ela banhada pelo sol. Isso é pura tortura. O corpo estava exausto e o estômago vazio. Mas tinha de tomar uma decisão: aguardar ao sol 19 ou mais minutos ou subir a pé?

Decidi subir a pé. Um pouco a colectar o que me restava das energias e lá fui, como habitualmente, a subir contra o sol, com aquela dorzinha nas costas, com a certeza de que estou a andar menos na vertical do que imagino na minha mente, a contribuir para a degradação da saúde, pois o corpo já não é tão jovem, Logo no primeiro passo não consigo evitar de pensar o desperdício que foi ter pago a viagem. "Pago bilhete para andar a pé!".

É isto que acabo sempre por concluir: paga-se bilhete para andar a pé.

Com esperas de 19 ou 88 minutos entre veículos, claro!

Um contacto de primeiro mundo:

Dias antes tinha recebido notícias de uma pessoa que foi para fora do país. Conta-me, com total surpresa e admiração, como funcionam os transportes públicos naquela cidade. É que não me fala de mais nada: monumentos, comércio, paisagens, nada disso lhe falou mais alto do que o sistema de transportes públicos. Para esta pessoa que cá também anda nos autocarros da Carris, o mais surpreendente e admirável que encontrou fora foi os transportes públicos

E repete-se em exclamações ao dizer que ali compra-se o passe e não é preciso mostrar o cartão cada vez que se entra e sai dos transportes mas igualmente surpreendente é que este passe é válido em todos os transportes. Todos mesmo.

E contou-me ela: «quando eu digo todos, é mesmo todos: barco, autocarro, metro, comboio... todos!». «E existe um painel - não como esses daí, que são pequenos, mas um enorme, com os horários dos próximos transportes, e é sempre um minuto, dois minutos... olha, estão sempre a chegar. É muito diferente, não imaginas! Não se tem de mostrar o passe, paga-se o passe e estás à vontade para entrar e sair onde quiseres, quantas vezes quiseres e em todo o tipo de transporte».

Enquanto em Londres e outras cidades capitais da Europa qualquer utente espera 1 minuto pela carruagem do metro, aqui espera-se entre 5 a 25. Autocarros da Carris então, e de brandar aos céus de tanto stress que provocam! Deve ser o único local do mundo onde a meio do percurso o autocarro para para trocar de motorista. As longas esperas, o pagar bilhete para entrar e sair constantemente dos veículos, sempre a ter de validar o título de transporte nas falíveis máquinas, o que faz empatar a circulação e aumenta exponencialmente as probabilidades de uma pessoa ser vítima de carteiristas. 

Uma pessoa já sabe, por instinto, que em Portugal, ou melhor: na capital de Portugal, os transportes são de segundo mundo. Mas escutar uma coisa destas na primeira pessoa é como levar com uma chapada de luva branca da realidade: estamos mesmo a viver num país com transportes públicos do segundo mundo! E os há melhores em tantas zonas da Europa! Era só se esforçarem mais...